Machu Picchu #2 e o Vale Sagrado dos Incas

Finalmente o último relato, sim, bastante atrasado. 🙁 Mas antes tarde do que nunca.

Ao chegar em qualquer sítio arqueológico, os guias vão sempre lhe metralhar de informações, o que é legal e tal, mas tem horas que você quer apenas ficar em silêncio admirando a paisagem. É assustador a quantidade de guias em Machu Picchu, falando diversos idiomas e com grupos de tudo que é canto do planeta. Afinal, é um dos lugares mais visitados do mundo. Nosso guia Johnny era bem gente boa, explicava as coisas com um certo humor e dava tempo para todo mundo tomar fotos, admirar, etc.

Ninguém sabe ao certo a origem de Machu Picchu, o que torna a coisa mais interessante ainda. É curioso ouvir a opinião dos locais, que geralmente são bastante divergentes. Existem várias lendas, umas mais concretas, outras mais divinas. Cada um acredita no que quiser. De acordo com pesquisas científicas, sabe-se que a cidade foi criada no século XV, por volta do ano de 1460. De todas as grandes construções Incas, Machu Picchu foi a mais moderna e supostamente a mais sagrada.

Quando os espanhóis chegaram no início do século XVI, eles dizimaram os Incas e destruíram muitas de suas construções. Em Cusco, por exemplo, há várias construções coloniais que foram feitas sobre os templos Incas, para afirmar a superioridade dos “conquistadores”. Porém, os espanhóis nunca encontraram Machu Picchu, e a cidade ficou perdida por séculos, conhecida apenas por agricultores da redondeza, que não davam bola pro local, pois era de difícil acesso e não servia muito pra agricultura.

Sabendo da possível existência da cidade sagrada, o historiador explorador americano Hiram Bingham, com a ajuda dos agricultores locais, achou a cidade abandonada em 1911 e anunciou o fato para o mundo. Machu Picchu sofreu então um grande trabalho de limpeza e em seguida foi montada uma grande estrutura de acesso, com linha férrea e uma estrada de terra pra subir a montanha, assim se tornando umas das atrações turísticas mais importantes do mundo, e a principal fonte de renda do Peru. Bingham levou toda a fama de o “descobridor”, mas de acordo com os locais, ele não passava de um explorador atrás de fama e dinheiro. Bom, certamente o conseguiu e de certa forma teve seu mérito.

Das teorias sobre o que aconteceu com a cidade, se ouve de tudo, como uma grande epidemia que matou todo mundo, mas curiosamente nunca foi encontrado nenhum fóssil por ali; uma possível guerra entre os Incas e os conquistadores, mas curiosamente tudo estava intacto e não havia rastro de sangue… A teoria que mais se sustenta é que os Incas, ao saber da invasão espanhola, que já tinha chegado em Cusco e arredores, abandonaram a cidade voluntariamente e fecharam todos os seus acessos para protegê-la, pois era o sítio mais sagrado deles. Provavelmente retornaram em direção a Cusco, onde foram todos mortos pelos espanhóis, que então nunca ficaram sabendo de Machu Picchu. O único acesso que existia nessa época era a famosa Trilha Inca.

Enfim, há muito o que ler (e escrever) sobre Machu Picchu, e não é o propósito deste post servir como uma referência. Certamente vale mais a pena ler o artigo da Wikipedia sobre o assunto.

A visita à cidade é de certa forma bastante rápida. Se gasta muito mais tempo para chegar lá e voltar do que se gasta na visita em si. Por volta das 14h00 já havíamos descido de volta a Machu Picchu Pueblo, onde almoçamos e ficamos passeando. Veja algumas fotos da cidadela, que é super interessante e bem pequeninha. Diferente de Cusco, tudo é extremamente caro por aqui. Como a grande maioria dos turistas vem de países ricos, pra eles é bem tranquilo. Nós sentimos a diferença. A estrutura é bem decente, com vários restaurantes bons, pousadas bem arrumadas e artesanato por todo lado, claro.

Dormimos cedo, pois tínhamos que estar na estação de trens para tomar o primeiro trem para Ollantaytambo, que partia às 5h30. Chegamos na estação antes das 5h00 e já havia fila. A viagem de volta foi bem tranquila e dormimos boa parte do tempo. Chegamos na estação de Ollantaytambo pouco depois das 8h00. Nosso guia, Jonathan, já estava nos esperando conforme o combinado, para nos conduzir pelo Vale Sagrado e então de volta a Cusco.

Normalmente as visitas ao Vale Sagrado dos Incas sempre são feitas no sentido Cusco – Ollantaytambo, partindo de manhã de Cusco. Nossa ideia era fazer do mesmo jeito, porém tivemos que mudar nosso plano para se encaixar com a disponibilidade do trens. No fim ficou até melhor, porque ao fazer o caminho no sentido inverso, pegamos quase todos os sítios com bem pouca gente, então deu pra aproveitar bem mais, especialmente para fotografia.

Começamos pelo próprio Sítio Arqueológico de Ollantaytambo, que fica bem próximo à estação de trens. Como pode ser visto nas fotos do local, os Incas construíram nas colinas diversas terraças. Dizem que elas foram feitas para experimento de plantio em altitudes diferentes. Com isso, eles podiam determinar qual a melhor altitude, e consequentemente temperatura, que cada alimento cresceria melhor. Não é por acaso que Ollantaytambo é também conhecida por ter o melhor milho do Peru, e talvez do mundo. É incrivelmente grande e saboroso. Se planta também muita batata por aí, e eles dizem que há mais de 400 espécies diferentes de batata na região.

Uma das coisas mais curiosas é que eles armazenavam a produção em pequenas cavernas abertas nas rochas, como pode ser visto na foto ao lado. Dizem que isso era feito devido à boa ventilação do local, fazendo com que o alimento durasse mais. Eles construíram também sistemas de ventilação nas rochas para melhorar ainda mais o efeito.

Partimos daí em direção a Pisaq (13°24’20.83″S 71°50’29.18″W), que fica a uns 50 km a leste de Ollantaytambo, já na estrada asfaltada. No caminho, passamos por várias cidadezinhas legais, como Urubamba, Calca, Coya, entre outras. Pisaq, ou Pisac, foi a minha maior surpresa da viagem toda. O sítio é imenso e extremamente bonito. Foi construído bem antes de Machu Picchu, porém não se sabe exatamente quando. Ouvimos falar em algo como o século XII. Nota-se bem que o estilo de construção não é tão moderno, as pedras não são tão bem talhadas, etc. É impressionante ver as diferenças no processo de construção dos locais. Percebe-se claramente o quanto a coisa ia evoluindo com o passar dos anos.

Pelas vistas, dá para notar o altura do lugar. A altitude média do sítio é de 3500 metros e durante a visita é um sobe e desce infernal. De todos os lugares que visitamos, esse foi onde eu mais senti a altitude e os joelhos. Não espere por escadas regulares com corrimão por aqui, muito menos elevadores e escadas rolantes. Isso não é Disneylândia. O negócio é pedra irregular mesmo, adrenalina! Como recompensa, uma natureza estonteante. A vista lá de cima é de arrepiar.

O Peru é muito conhecido por Machu Picchu, mas na verdade há muito mais o que ver. Uma pena que o turismo foque tanto em uma coisa só. Não deixe de visitar Pisaq com calma. Dê uma olhada no album de fotos feito lá.

Descemos das ruínas para o centro de Pisaq, onde tem um famoso mercado popular aos domingos, mas passamos aí na segunda-feira, aí tem bem menos gente. Almoçamos por aí com calma e visitamos algumas tendas. Mais e mais artesanato, pra variar.

Saindo de Pisaq, no caminho de volta a Cusco, paramos em Awana Kancha, que é meio que um sitiozinho bem legal com uma criação dos animais mais tradicionais do Peru: a lhama, alpaca, vicunha e guanaco. As primeiras duas são muito dóceis, e você pode caminhar no meio delas tranquilamente, inclusive dando-lhes comida. Já a vicunha e o guanaco são bastante selvagens, então ficam numa área isolada um pouco a distância.

Chegamos em Cusco no final da tarde mortos de cansado. Descansamos um pouco, saímos pra jantar e capotamos. Não tínhamos nada marcado para a terça-feira 19, então tiramos o dia para passear por Cusco, visitar alguns museus, etc. Complementei o album de Cusco com as fotos do dia 19, algumas bem interessantes.

Na quarta-feira 20, voamos de volta para Lima, onde daríamos cada um uma palestra naquela noite na Universidade Inca Garcilaso de la Vega. Na decolagem em Cusco, vi bem por que a pista do aeroporto tem quase 4 km de comprimento. Com o ar extremamente rarefeito nessa altitude, fica muito difícil acelerar o avião, por mais motor que se tenha. Voamos num quadri-jato BAe 146 da British Aerospace, avião muito tosco, asa alta, quadro motores turbo-fan, mas bem gostoso de voar. Mesmo com os 4 motores full power, comemos quase toda a pista para decolar e ganhamos altitude muuuito vagarosamente sobre um pequeno vale a sudeste de Cusco. Ao redor, montanhas imensas cercando tudo. Só após livrarmos um 20.000 pés de altitude, demos a volta aproando Lima.

Quando pousamos em Lima, os pulmões agradeceram por respirar ar úmido e com muito oxigênio. A diferença é brutal. O pessoal da universidade já estava nos esperando. Nos levaram até o hotel para deixar as bagagens e alguns minutos mais tarde fomos para o local das palestras. Era um auditório fechado dentro da universidade e estava bastante lotado. Imagino que tinha umas 200 pessoas no máximo. Demos as mesmas palestras apresentadas no CONEIS na semana anterior. Como tinha bem menos gente, foi mais bacana e interativo.

O pessoal da universidade, especialmente Santiago e Evelyn, que organizaram tudo, foi extremamente receptivo. Depois da palestra, saímos todos para jantar com mais um pessoal da universidade. Mais um pouco de comida típica, sempre maravilhosa. Saindo daí, fomos para o hotel e dormimos pouco, pois tínhamos que estar no aeroporto às 5h30 no máximo. Nosso voo de volta para o Brasil decolou logo após às 7h00 de Lima. Voamos de volta num Boeing 767-300 da Lan, bastante confortável e com um serviço de bordo muito bom. Parabéns pra Lan. Pousamos tranquilamente em Guarulhos às 13h50. Bagagens, aduana, tudo tranquilo. Peguei o voo para Porto Alegre às 16h45 e Tatiana foi de ônibus do aeroporto direto pra Campinas, encerrando os 12 dias de viagem pelos Andes.

Essa foi uma viagem que eu queria fazer já havia algum tempo. Sempre li bastante a respeito do Peru, especialmente sobre sua cultura e história. Meu tio Iram, grande viajante, já havia estado lá e também fez boas recomendações. Definitivamente é um país que merece ser visitado. É uma viagem bastante barata e muito rica culturalmente, uma viagem que certamente faz você rever alguns valores, prestar atenção nas coisas simples e principalmente na natureza. É muito bonito ver um povo que possui um grande amor por sua terra e sua nação, certamente algo que não se vê por aqui no Brasil, exceto em épocas de copa do mundo.

Fiquei muito feliz com a hospitalidade. Muitas pessoas ficavam bastante curiosas, e até muito contentes, por eu falar espanhol com fluência e entender perfeitamente 100% do que eles falam. Isso é uma coisa super legal e me sinto muito feliz por ter tido a oportunidade de aprender (e continuo estudando) espanhol bem. Seguramente a minha experiência com essa viagem não teria sido a mesma caso contrário.

O grande valor em uma viagem como essa é saber que você voltou melhor do que foi. Para muitos pode parecer mais um país pobre da América do Sul. Eu diria que certamente eles têm muito a lhe ensinar. Vá e veja com os próprios olhos. Depois me conte como foi a experiência. 😉

Bon voyage.