Cinco anos mais tarde, de volta em Rondônia

A minha primeira longa viagem pelo Brasil, em 2002, foi a Rondônia, para ministrar um curso de Linux no interior daquele estado, na cidade de Cacoal, que fica a uns 480 km da capital. Na época, a nossa malha aérea não era tão extensa como hoje, então eu lembro que voei de Porto Alegre para Curitiba, Congonhas (SP), Araçatuba, Cuiabá e então Ji-Paraná, onde desembarquei de um Fokker 100 da Tam.

Por 2002, a fama dos Fokkers andava bem baixa, então era de certa forma um pouco sinistro viajar naquele troço. Mas, minha paixão por aviões é tamanha que não ligo pra nada disso. Nessa viagem de volta, no mesmo horário que eu estava a bordo de outro Fokker, um outro avião igual fazendo a rota Rio de Janeiro – Porto Alegre abriu a porta em pleno ar, dando um grande susto nos passageiros e tripulação. Por sorte, o aparelho ainda não estava pressurizado, pois estava muito baixo. Se estivesse mais alto…

Desta vez, voltei ao mesmo estado, mas direto para a capital Porto Velho, à margem do famoso Rio Madeira. Fui fazer uma instalação em um cliente, então tive que passar o final de semana inteiro. Cheguei na madrugada de sexta-feira pra sábado, pra variar com vôos atrasados (duas horas e meia de atraso no último trecho Brasília – Porto Velho).

Porto Velho, embora sendo uma capital, é uma cidade pequena, com seus 380 mil habitantes. Na época áurea da borracha no Brasil, foi uma cidade muito importante, especialmente pela posição estratégica à margem do Madeira, por onde escoava toda a produção de latex em direção ao Rio Amazonas e de lá para o resto do mundo.

Junto com o Brasil, a Bolívia também possuía grandes seringais, e através de um acordo entre os dois países, o Brasil construiu a famosa Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que foi até tema de mini-série da Rede Globo há pouco. A estrada foi construída entre 1907 e 1912, matando muita gente por causa da malária na floresta. O ambiente era completamente inóspito, ainda mais nas condições daquele tempo. Em função disso, na época a estrada ficou conhecida como a “ferrovia do diabo”. Existe inclusive uma lenda que fiz que sob cada um de seus dormentes existe um cadáver. Não é de se duvidar, de fato.

A estrada foi construída porque ao longo de seu curso, o Rio Madeira possui muitas cachoeiras, o que impossibilitava completamente a navegação. Como a Bolívia não possui acesso ao mar, essa era a única saída viável à sua produção. Infelizmente, logo após o término da empreitada, a �sia entrou no mercado da borracha com um custo de produção muito mais baixo que o brasileiro, o que fadou o fim súbito do comércio de latex no Brasil, levando praticamente à falência todas as cidades que viviam em função desse negócio, entre elas Manaus, capital do Amazonas.

A ferrovia, naturalmente, ainda existe até hoje, embora completamente abandonada. No ponto 0 dela, em Porto Velho, a cidade construiu um museu para homenagear a estrada. Estive visitando esse museu no domingo e achei super interessante. Há inclusive uma locomotiva completa que era utilizada na época. Imaginem a “tecnologia”. Tudo é muito grande, muito bruto.

Na época da gravação do seriado da Globo, chegaram a restaurar um trecho da ferrovia e uma locomotiva inteira. Alguns políticos locais queriam criar um passeio nessa locomotiva como atração turística, mas a burocracia natural do Brasil acabou pondo a idéia no lixo. O governo do estado luta para receber os direitos da ferrovia do governo federal, mas por pura “burrocracia”, isso está encalhado há anos.

Porto Velho definitivamente não é uma cidade turística. Há pouco o que ver, e como meu tempo era curto, a única coisa que fiz além de trabalhar, foi visitar o museu. Uma coisa que me chamou muito a atenção foi a quantidade de caminhões transportando soja. Durante o tempo em que eu comia uma pizza num restaurante na avenida que dá acesso ao porto da cidade, passaram uma centena deles, todos iguais e enormes. E disseram que é assim o dia inteiro. Toda a soja produzida no Mato Grosso, que é um dos maiores produtores mundiais, e também de Rondônia sai pelo porto de Porto Velho, subindo o Rio Madeira de balsa até o Amazonas. De lá, a soja é exportada para o mundo inteiro a partir do porto de Itaquoatiara. Imagino que grande parte de toda essa produção vá para a China.

Na madrugada de segunda para terça-feira, voei de volta para Porto Alegre, passando por Brasília, São Paulo e Florianópolis. Ao passar por Congonhas, em São Paulo, pegamos uma tempestade fortíssima, e a pista principal daquele aeroporto estava alagada, pra variar. Havia tanto vento na região, que o piloto perdeu o alinhamento na final da pista 17R. Quase caímos na grama. Com habilidade, e um pouco de sorte, o piloto conseguiu trazer o bicho de volta. Que susto! Depois fiquei um tempo conversando com os dois pilotos, e eles disseram que pegaram uma mudança brusca de vento (wind shear) na final, mas não dava mais tempo de arremeter, pois estavam muito perto. Estávamos no 737-800 PR-GTL (eles o chamam de “tango lima”), o avião mais novo da Gol, que tinha sido entregue 7 dias antes zerinho pela Boeing. Não seria uma boa idéia avariar justamente esse avião. 🙂