Aviação brasileira – cenas do último capítulo

Um vôo partindo de Guarulhos que era para ser para Dallas, mas parou em Miami. Normalmente um vôo para Miami tem 8 horas e algo. Este durou mais de 13 horas. Assim foram minhas últimas horas enfrentando o sistema aéreo brasileiro.

Estou sentindo na pele toda a merda que esta crise aérea vem causado às pessoas que viajam pelo Brasil (não somente aos brasileiros). Mas, sempre pode ficar pior. Até então, tudo o que se tem sofrido é até o momento de o avião decolar. Horas de espera, longas filas, desinformação, desrespeito, omissão, etc. Quando você decola, enfim, nos livramos de tudo isso. Bom, não exatamente.

Após sair de Porto Alegre com quase uma hora e meia de atraso, o que já considero uma grande sorte, cheguei em Guarulhos por volta das 17h. Check-in rápido e eficiente na American Airlines. O vôo estava no horário, 21h45, mas para variar, saiu meia hora atrasado. Subimos rapidamente para 30.000 pés, a janta foi servida, muito boa por sinal, tudo recolhido, luzes apagadas, muita gente dormindo já. Enfim, o vôo prosseguia normalmente seu curso sobre a Amazônia, já a 34.000 pés. Prosseguia…

Eu estava assistindo um filme no laptop com os fones de ouvido, mas percebi perfeitamente quando os pilotos desaceleraram e começaram a descer. Bom, isso pode ser normal, talvez um pedido do (des)controle, um desvio meteorológico, enfim. Normalmente essas manobras levam 60 segundos, pois são feitas muitas vezes em intervalos de 2.000 pés. Passou de dois minutos e continuávamos descendo. Bom, havia alguma coisa errada, pois ainda tínhamos quase 7 horas de vôo pela frente.

No momento que eu ia chamar a comissária para perguntar o que se passava, o comandante anunciou o inesperado:

– Não estamos conseguindo nenhum contato com o controle de tráfego aéreo brasileiro na área da Amazônia para liberar nossa passagem para a Venezuela, sendo assim, somos obrigados a aterrissar no aeroporto mais próximo. Já entramos em contato com o aeroporto de Manaus, onde confirmaram o problema nos rádios e já estão nos vetorando para aterrissar nesse aeroporto. Uma vez em solo, teremos mais informações.

Obviamente, todo mundo ficou incrédulo. Já estávamos havia quase quatro horas no ar, quase deixando o espaço aéreo brasileiro, e vamos ter que descer? Não, isso não pode ser verdade. Em descida acentuada, doze minutos mais tarde, às 2h00 da madrugada (hora de Brasília), batemos bem forte na pista de Manaus, pois estávamos com combustível suficiente para voar mais 7 horas, fora a reserva. Começamos a taxiar, e já vimos outros aviões grandes aterrissando também, o que confirmou que não era nenhum problema na nossa aeronave.

O comandante, visivelmente muito irritado (com toda a razão, claro), explicou o que estava acontecendo e disse que não poderíamos nem abrir a porta do avião, pois era um vôo internacional, e oficialmente já tínhamos deixado o país em São Paulo. Ou seja, iríamos ficar esperando dentro do avião por instruções do descontrole.

O problema parece ter sido resolvido às 3h00. Só então, os pilotos, já em contato com a American Airlines nos Estados Unidos, puderam bolar outro plano de vôo. O nosso plano de vôo GRU-DFW obviamente já tinha sido cancelado no momento que começamos a descer. O grande problema em planos de vôo internacionais é que você precisa da autorização de cada espaço aéreo por onde a aeronave vai passar, e isso muitas vezes envolve vários países. O aeroporto de Manaus também não estava esperando cinco aeronaves de grande porte com esse problema, e no momento só havia um despachante de vôo de plantão.

6h30 (hora de Brasília) da madrugada o comandante informou que tínhamos outro plano de vôo, porém nosso destino final havia sido alterado pra Miami, por questões logísticas e porque não havíamos abastecido em Manaus. Não tínhamos mais combustível para subir tudo de novo e ir até Dallas. 6h52 (hora de Brasília), depois de quase cinco horas mofando, decolamos em direção ao Miami International Airport (MIA). Os funcionários do aeroporto em Miami já estariam tratando de reacomodar os passageiros para todo mundo chegar nos seus destinos o mais rápido possível. Me engana, que eu gosto!

Chegamos aqui em Miami às 10h36 hora local (11h36 em São Paulo), após quase cinco horas de vôo. Todos nós sabíamos que naquele momento estava começando o nosso segundo suplício: conseguir vôo para o destino final. Como Dallas é o maior hub da American Airlines no mundo, praticamente todas as suas conexões são concentradas naquele aeroporto. Tinha bastante gente no nosso vôo com conexão imediata pra Tókio, ou pra cidades na China.

As comissárias, para “tranqüilizar” os passageiros estressados, disseram que os atendentes em solo iriam nos auxiliar em todos os procedimentos de reacomodação. Fala sério. Passamos pela imigração, aduana, e caímos no terminal. Alguém vê alguém da American para nos dar informação? Claro que não! Se virem. Este aeroporto é pequeno para os padrões americanos, mas qualquer pequeno aqui é quatro vezes maior que Guarulhos. Caminhamos pra todo lado, até que paramos numa fila enorme. Liguei para meu amigo Jim que estaria me esperando em Detroit, e ele já sabia do ocorrido e já havia inclusive ligado para a American Airlines para reservar o próximo vôo direto para Detroit pra mim. Meu pai me ligou na seqüência e também já estava sabendo do que passava, pois a imprensa no Brasil já estava divulgando. Depois de um tempão na fila, consegui de fato o próximo vôo direto, que parte daqui às 17h40.

Na verdade, dentro do contexto todo da merda, eu tive bastante sorte. Pelo o que li na imprensa, cinco vôos foram interrompidos em Manaus, um deles o meu, outros cinco vôos tiveram que voltar pra São Paulo, e outros doze foram cancelados. Eu pelo menos cheguei nos Estados Unidos, morto de cansado e de fome, mas cheguei. Fora isso, quatro vôos que estavam indo dos Estados Unidos para o Brasil tiveram que dar meia-volta para Miami, porque o espaço aéreo brasileiro estava fechado. A CNN está anunciando o ocorrido aqui toda hora com o seguinte título: “queda inexplicável de comunicação do controle de tráfego aéreo brasileiro por duas horas interrompe vários vôos indo ou vindo para os EUA”.

A gente pode falar até que os outros falam mal do nosso país, mas a verdade é que a gente tem que se envergonhar mesmo. Imaginem o prejuízo, tanto para companhias aéreas quanto para seus passageiros, de abortar a operação de mais de 20 vôos internacionais. Isso chega a provavelmente 5.000 pessoas atingidas numa mesma tacada. O aeroporto aqui em Miami está um caos total, para reacomodar milhares de pessoas que perderam suas conexões. Obviamente não estou menosprezando o stress que os vôos domésticos também devem ter sofrido pela mesma pane. Eu mesmo já fiquei mofando por mais de seis em Manaus no dia que os descontroladores inventaram ficar de greve.

Nestas horas, tudo o que nos resta é ter vergonha de ser brasileiro. Estou olhando para o painel de vôos aqui, que possui infinitamente mais vôos que qualquer aeroporto brasileiro, e todos estão no horário.

E dizer que tudo isso está acontecendo por simples e pura má gestão ao longo de muitos anos, porque dinheiro nunca foi o problema do Brasil.