Mais ou menos 20 anos atrás, final de 1995 – início de 1996, eu estava começando o que acabou se tornando uma carreira de muito sucesso. Diferente de tudo que lemos em livros sobre como construir uma carreira, eu tomei um caminho bastante alternativo para chegar onde estou hoje. O resto do texto é longo, mas é a estória da minha vida profissional e eu não poderia passar este importante marco sem escrever a respeito.
Eu venho de uma família humilde e de uma região pobre no extremo sul do Brasil, uma cidade chamada Rio Grande, interior do Rio Grande do Sul. Minha família é bastante grande, com 13 tios (ou tias), e várias ramificações. Ninguém da família, em gerações anteriores, terminou uma faculdade ou tem qualquer profissão altamente especializada. Todos são ótimas pessoas e trabalham duro todos os dias para fechar as contas no final do mês. Como você pode imaginar, minha geração (eu, irmãos, primos, etc) nunca teve nenhuma referência de alta educação em qualquer lugar. Nada de médicos, engenheiros, advogados, etc, para nos guiar. A expectativa sempre foi ir pra escola, aprender o básico, eventualmente sair e conseguir um trabalho em algum lugar. Nossos filhos provavelmente fariam a mesma coisa. Felizmente minha geração teve bem mais acesso à educação e tenho vários primos e uma irmã com educação superior, alguns até pós-graduados.
Eu sempre fui muito interessado em tudo relacionado a tecnologia, eletrônica, basicamente tudo que tem botões. Minha família nunca teve condições de me dar um computador, e até mesmo nas escolas, computadores não existiam ainda. Sempre que eu via um computador, eu sonhava que algum dia eu iria poder usar um. Um dos meus primos, Jean, tinha um MSX com um leitor de fita cassete e eu ficava fascinado sempre que tinha a chance de mexer. Em um dos natais no início dos anos 90, minha mãe me perguntou se eu queria um vídeo game ou um teclado musical e minha resposta foi o teclado, provavelmente porque tinha um monte de botões. Eu aprendi um pouco de música, mas o que me interessava mais eram as funções eletrônicas do teclado, ao invés de tocar música nele. Um tempo depois, eu convenci minha mãe a me dar um mais sofisticado, não porque eu estava preocupado com um som melhor de piano, mas porque tinha muito mais recursos eletrônicos.
No início de 1995, eu entrei numa escola técnica de ensino médio, onde além do currículo normal de ensino médio, eu também iria aprender a trabalhar com refrigeração e sistemas de ar condicionado. Eu realmente não queria nada com isso, mas era a melhor escola da cidade. Eu aprendi bastante sobre o assunto e também sobre eletricidade. Como a escola era ligada à universidade local, havia computadores! Nós tínhamos acesso à biblioteca da universidade, onde eles tinham aqueles computadores antigos com telas verdes para buscar o catálogo de livros. Muitas horas eu passei pesquisando o catálogo sem na verdade me interessar por nenhum livro. Como essa era a melhor escola da cidade e era pública, eu tinha colegas de famílias de todas classes sociais possíveis. Eu fiz alguns amigos que tinham computador e alguns deles estavam até começando a usar Internet, o que eu não tinha ideia do que era. Nos meses seguintes, estava claro pra mim que isso era o que eu queria fazer.
Porém eu jamais iria muito longe sem meu próprio equipamento. A primeira vez que eu mencionei que queria um computador pelo meu aniversário de 15 anos, minha família riu de mim. Sonhador… Com alguma insistência, eles acabaram percebendo que eu realmente queria um, e fizeram um sacrifício enorme para realizar esse sonho. Eu não lembro dos detalhes, mas eu lembro que foi financiado em várias prestações e cada prestação era dividida em uns 2-3 pedaços, para cada um em casa pagar um pouco. O computador era bem interessante pra sua época, um Compaq Presario, 486 DX/2 66 MHz, 8 MB de memória, 420 MB de disco rígido, kit multimídia e fax-modem de 14400 bps. O computador provavelmente custava mais caro que o carro velho que tínhamos na garagem. Não havia provedores de Internet na cidade, então Internet foi algo que eu tive que esperar por vários meses ainda. Este computador mudou tudo. Era a ferramenta que estava faltando para eu construir minhas habilidades e ter uma profissão.
Eu fui muito abençoado por nunca me interessar por jogos. Então, ao invés de passar muitas horas jogando, eu passei todas essas horas aprendendo tudo o que eu podia. Desde o início, minha motivação principal era aprender como os aplicativos eram feitos. Eu nunca tinha ouvido falar de linguagens de programação ou compiladores, mas eu sabia que os softwares tinham que ser feitos de alguma forma. É muito difícil aprender as coisas sem Internet. Eu peguei uns livros na universidade e a maioria deles não fazia sentido pra mim. Documentação naquela época era muito ruim, especialmente em português. E eu não sabia uma palavra em inglês, claro. Falando com uns amigos na escola, eu ouvi falar de DBase e Clipper. Um amigo me conseguiu um disquete com o Clipper e eu lembro de ter passado semanas sofrendo com aquilo até que eu consegui produzir meu primeiro arquivo executável. Eu fiquei feliz demais com aquilo. Era apenas um “hello world”, mas significou muito pra mim. Naquele dia, eu decidi que eu seria um programador profissional.
Por volta dessa época, eu fiz alguns amigos que foram fundamentais para o meu progresso. Um deles foi Marcio Malta, que era um programador profissional em Clipper. Eu realmente não lembro exatamente como eu conheci o Marcio, mas ele imediatamente se tornou meu ídolo. Quando ele soube que eu estava muito querendo aprender Clipper, ele me deixou copiar alguns de seus códigos para usar como referência. Eu estudei cuidadosamente cada linha e partir daí eu comecei a construir conhecimento suficiente para escrever um software decente.
Eu não tinha paciência para aprender um monte de coisas até que eu pudesse ganhar algum dinheiro com isso. A ideia de fazer algum dinheiro com o meu conhecimento novo era muito grande na minha cabeça. Assim que o Windows 95 foi lançado no Brasil, eu comprei a atualização, que veio em 13 disquetes. O médico da minha avó perguntou se eu não me importaria de atualizar o seu computador também. Com 15 anos, eu não fazia a mínima ideia sobre pirataria, então naturalmente aceitei. Eu não cobrei nada, mas ele me pagou algo como uns R$ 60,00 pelo serviço. Foi minha primeira receita como um “profissional de computação”. Nos próximos dias, esse médico fez várias indicações para seus outros amigos médicos, e lá eu estava instalando Windows 95 para um monte de gente. Eu estava recebendo algo como R$ 50,00 por instalação. Eu fiz mais dinheiro em algumas horas me divertindo, do que a vasta maioria das pessoas que eu conhecia poderia ter feito num mês inteiro trabalhando em turno integral. Então que se dane geladeiras e ar condicionados, isso é o que eu queria pra minha vida. O que pode ser melhor do que ser bem pago para se divertir?
Algumas semanas ou meses depois, eu fiz meu primeiro dinheiro com software. Um conhecido que consertava eletrônicos tinha comprado um computador e precisava de um software para controlar seus clientes e trabalhos. Na primeira versão, eu dei três executáveis para ele, um pra adicionar clientes, outro para visualizar e outro para apagar clientes. Todos os executáveis faziam uma coisa apenas e terminavam, porque eu não tinha me ligado ainda que softwares deveriam rodar em loop infinito e eu também não sabia como fazer menus para que um software apenas pudesse fazer várias coisas. Ele ficou muito feliz com minha “solução” e me pagou uns R$ 250,00 por ela. Algumas semanas mais tarde eu aprendi o que faltava e fiquei bem envergonhado por ter sido tão burro. Eu dei uma nova versão de graça. O cliente gostou, mas não se importou muito, porque minha primeira versão já estava ok. Logo em seguida, o proprietário de um posto de gasolina me procurou dizendo que eles queriam criar um cartão fidelidade, que daria pontos aos clientes de acordo com quanto combustível eles comprassem. Eles já tinham um software que controlava as bombas. Para a minha sorte, esse software foi escrito em Clipper, então eu descompilei e fiz engenharia reversa do software. Derivando do mesmo banco de dados, eu criei um software paralelo para controlar os pontos do cartão. Os clientes adoraram a ideia e o projeto foi um sucesso. Esse foi provavelmente meu primeiro contrato de suporte, onde eu consegui uma receita recorrente. Eu tinha 15 anos ainda.
Em 1996, os primeiros provedores de Internet chegaram na cidade. Eu tinha ouvido sobre Internet através do meu amigo Felipe Boffo, e nós fomos um dos primeiros clientes de um dos provedores. Antes disso, eu estava usando BBS um pouco por alguns meses. Nós ficamos amigos com o proprietário de um dos provedores e ele estava muito procurando por pessoas com algum conhecimento pra ajudar a criar a base de usuários. O Felipe não quis se envolver com isso, mas eu estava topando qualquer coisa que aparecesse. Não existia “self-service” naquela época. Para cada novo cliente, nós tínhamos que ir na casa do cliente, instalar o modem e todos os softwares necessários (Netscape, Eudora, mIRC, etc), e ensinar a família sobre como usar a Internet. Eu perdi as contas de quantas casas eu visitei, mas certamente foi na casa das centenas. O provedor pagava algo como R$ 35,00 por cada instalação. Em épocas mais movimentadas, eu fazia mais de 5 num dia. Eu estava fazendo mais de um salário mínimo por dia. Foi nessa época que eu fui apresentado ao Linux. Todo o provedor rodava em Linux e tinha sido instalado por um pessoal de uma universidade próxima. Eu achava o máximo ver o rapaz trabalhando com sistemas e redes e eu estava sempre tentando absorver o máximo de conhecimento possível. Em algum momento pra frente eu me tornei o principal administrador de sistemas e redes do provedor. A empresa estava crescendo rápido e isso me deu a chance de aprender muito Linux e redes, muito antes de Linux se tornar bem conhecido. Nós usávamos Slackware nessa época, com kernel 1.2. Eu lembro muito bem quando o 2.0 foi lançado e eu estava super entusiasmado pra instalar, o que botou o provedor abaixo por várias horas. 🙂 Compilar um kernel levava fácil 4-6 horas. E obviamente não havia pacotes pra facilitar a coisa.
O provedor empurrou minha popularidade na cidade. Eu consegui vários novos clientes, tanto em software como em Linux. Várias empresas queriam criar seus websites também. Eu passei muitas horas lendo código HTML para aprender como ganhar dinheiro com isso também. Eu vendi um bocado de websites. JavaScript e CSS não eram comum ainda. O negócio era apenas páginas estáticas.
Alguns amigos que eu lembro bem daquela época são Diego Martins e Jeferson Petito. Diego tinha uma empresa de software e ele me apresentou ao Delphi. Eu fui muito relutante para deixar o Clipper para trás, mas a maioria dos clientes estava pedindo por interfaces gráficas. Em algum momento eu aceitei isso e acabei vendendo vários projetos interessantes em Delphi. Para a minha grande surpresa, eu fiquei sabendo ano passado que um consultório médico na minha cidade ainda usa um software meu, que foi compilado da última vez em 1997. Petito era meu colega no provedor. Nós visitamos muitos clientes juntos. A empresa faliu logo em seguida. Petito me ajudou com o processo do visto para os Estados Unidos, atestando meus conhecimentos e experiências dessa época.
Em 1997, dois amigos e eu decidimos fundar uma empresa. Até então, tudo o que eu vendia era por baixo dos panos. Conforme a coisa foi crescendo, fez sentido em ter uma empresa por trás. Vendíamos todo o tipo de serviço, como softwares, servidores Linux, redes, web sites, ilustrações, etc. Em algum momento surgiu a oportunidade de importar equipamentos dos EUA para vender localmente. As margens de lucro pareciam bastante interessantes e começamos logo a fazer isso. Depois de algumas importações, começamos a perceber que a coisa estava muito fácil para ser verdade. Na verdade, estávamos contrabandeando equipamentos e sonegando impostos. Quando nos ligamos disso, a empresa já estava com alguns problemas financeiros e desistimos do negócio. Poderíamos ter ido presos com isso.
Quando o provedor fechou em 1998, quatro amigos e eu fundamos outra empresa. Nós fazíamos praticamente a mesma coisa que na minha primeira empresa, mas um dos sócios era mais velho e tinha muito mais experiência com negócios. Dessa vez, eu me certifiquei de que toda a operação fosse legalizada. Foi uma experiência muito interessante até 2001, quando eu saí da empresa e me mudei para outra cidade. Eu perdi contato com eles, mas até onde eu sei, a empresa existe até hoje.
Minha cidade natal tem em torno de 200 mil habitantes. Não é um vilarejo, mas é uma cidade pobre, com muitas ruas de areia, sem esgoto, aeroporto comercial, etc. Eu realmente queria me especializar em Linux e redes, já que essas eram as coisas que eu mais gostava. Fazer apenas isso numa cidade pequena é impossível. Eu gastava boa parte do meu tempo com softwares pequenos, consertando Windows, arrumando impressora, monitor, ou qualquer coisa que aparecesse. Eu tinha muito poucos clientes em Linux e eu realmente sentia falta do provedor. Por essa época, as grandes telecoms estavam comendo todo o mercado, forçando os provedores pequenos a quebrar. Meu amigo Bruno Domingues assumiu boa parte do meu trabalho quando eu fui embora.
Em 2001, eu tive a oportunidade de me mudar para a capital do estado, Porto Alegre. É uma região com 4 milhões de habitantes, com muita atividade econômica. O trabalho era para ser administrador de sistemas e redes em uma organização de crédito ao consumidor. Mudar para lá foi a melhor decisão que tomei na vida até esse momento. Viver num grande centro econômico, comparado com uma cidade pequena, é algo que só se percebe a diferença uma vez que você faça isso você mesmo. O trabalho era bacana e eu podia finalmente passar a maior parte do meu tempo fazendo coisas que eu gostava. Eurico foi a pessoa que me achou e me contratou. Dois anos mais tarde, nos tornamos sócios na minha terceira empresa.
A melhor parte de me mudar para a cidade grande foi entrar em contato com a comunidade de software livre, onde eu fiz alguns dos meus melhores amigos e tive minha cabeça aberta para o mundo. Eu fui muito bem recebido pela comunidade local, porque embora a maioria deles era bem ativo com a causa, eles tinham muito menos conhecimento técnico do que eu (em Linux por exemplo). O Fórum Internacional de Software Livre (FISL) estava indo para a sua terceira edição e rapidamente eu me envolvi com a organização. Alguns anos mais tarde, eu me tornaria o coordenador geral do evento por dois anos. Através do trabalho com o FISL, eu fiz ótimos amigos como André Franciosi, Fernanda Weiden, Marcelo Branco, Alberto Bengoa e muitos outros. Todos os anos o evento trazia alguns dos maiores nomes do software livre de todo o mundo. Isso rapidamente me mostrou minha principal deficiência, não falar inglês.
Mesmo sendo bem respeitado pelo meu trabalho, eu me sentia deprimido que enquanto eu tinha a oportunidade de conhecer todas essas pessoas legais, eu não conseguia conversar com elas. Eu assumi um grande desafio de aprender a falar inglês bem. Isso levaria vários anos, mas eu estava decidido que eu iria conquistar isso a qualquer custo. Eu imediatamente entrei numa escola, comprei alguns livros, comecei a ler tudo o que eu podia na Internet, comecei a me forçar a falar com as pessoas, entre outras coisas. Eu levei a coisa muito a sério. Durante esse processo, eu conheci um dos meus melhores amigos, James McQuillan, de Michigan, EUA, que participou do FISL pela primeira vez em 2003 e começou a visitar o Brasil todos os anos desde então. Nós passamos incontáveis horas conversando neste últimos 12 anos e ele foi fundamental em me deixar confortável com o idioma. Mesmo hoje, que eu sou muito fluente em inglês, algumas vezes eu ainda peço ele para revisar meus textos. Mais sobre o James adiante. Por volta da mesma época, eu conheci outro grande amigo, Jon Maddog Hall, que sempre foi um grande mentor, não apenas para mim, mas para muita gente no Brasil.
Uma das melhores coisas que aconteceu quando eu me envolvi com a comunidade de software livre foi a demanda por palestras técnicas em outros eventos. Até por volta de 2002, eu nunca havia sentado em um avião na minha vida. Logo em seguida que eu viajei a primeira vez, eu estava viajando o país inteiro dando palestras em vários eventos. Eu conheci uma quantidade enorme de ótimas pessoas por isso, e também me tornei bastante conhecido na comunidade pelas minhas palestras. Pelo final de 2002, eu já tinha visitado a Argentina e o Uruguai dando palestras.
Durante 2003, eu arranjei minha primeira grande viagem internacional, com meu amigo André Franciosi. Nós ficamos mais de um mês viajando pelos Estados Unidos e Costa Rica. Eu realmente precisava de uma oportunidade para dar um empurrão no meu inglês, então nem me importei de me endividar para fazer essa viagem, e valeu muito a pena. Nos EUA, nós participamos da LinuxWorld em San Francisco, onde conhecemos ótimas pessoas. A LinuxWorld naquela época era gigante e nós ficamos fascinados por tudo o que vimos lá. Eu jamais poderia imaginar que eu me mudaria exatamente para esse lugar apenas 9 anos mais tarde. Nós tínhamos alguns contatos na Costa Rica e essas pessoas lá realmente precisavam de alguma ajuda para acelerar o software livre no país. Eu passei algumas semanas lá, onde eu dei algumas palestras em lugares diferentes e ajudei a criar a primeira distribuição de Linux local, baseada em Debian. Distribuições customizadas eram uma coisa bem comum naquela época.
Nos anos seguintes, eu viajei para os EUA muitas outras vezes, geralmente para participar de eventos. Eu pude conhecer o país muito bem e estava sempre fazendo novos amigos. Meu inglês estava cada vez melhor e finalmente eu estava conquistando meu objetivo de me tornar bilíngue. Durante essas jornadas, eu fiz vários amigos da América Latina e eu realmente comecei a aprender espanhol. Hoje eu me comunico bastante bem em espanhol. Em 2008, eu fui convidado para dar uma palestra em Lima, Peru, sobre VoiIP e Asterisk. Foi a minha maior audiência até hoje, com quase 3000 estudantes. Eu dei a palestra inteira em espanhol e foi uma ótima experiência. Pouco sabia eu, que logo um ano depois disso, eu conheceria minha esposa peruana.
No final de 2003, três amigos e eu fundamos minha terceira empresa, a Propus, onde eu trabalhei muito por quase 10 anos, até que me mudei para os EUA. Um dos meus melhores amigos, Alberto Bengoa, entrou na empresa logo em seguida que foi fundada. A Propus era bem maior e mais relevante que as minhas primeiras duas aventuras. A maior parte da base de clientes estava fora do estado e isso me fez viajar intensamente por todo o país. Houveram alguns anos que eu passei mais noites em um hotel do que em casa. Eu estava acumulando tantas milhas em linhas aéreas, que eu fiz algumas viagens aos EUA de graça. Com a Propus, eu realmente tive a chance de aperfeiçoar meu conhecimento para trabalhar com grandes empresas. A maioria do trabalho era sobre infraestrutura com servidores Linux, equipamentos de rede e voz sobre IP. Eu fiquei muito afiado em desenvolver soluções para uma grande variedade de clientes em diferentes indústrias, como educação, óleo e gás, energia, financeiro, logística, comunicações, governo, etc. Eu tenho orgulho dessa empresa e das pessoas que lá trabalham. É uma empresa pequena de indivíduos altamente qualificados e talentosos.
Conforme eu fui crescendo pessoalmente e profissionalmente, e especialmente depois que eu comecei a viajar pelo mundo, eu mudei muito. De uma cidade pequena, eu só podia ver o mundo através da TV e tudo parecia muito inalcançável. Quando eu comecei a ver tudo com meus próprios olhos, eu comecei a ter novos sonhos. Um deles era viver no exterior. Eu tinha alguns amigos brasileiros vivendo no exterior, alguns até trabalhando em empresas de alta tecnologia. Eu sempre soube que eu era um bom profissional com conhecimentos valiosos, mas também sempre achei que essas pessoas trabalhando com os problemas mais complicados estavam tudo muito acima de mim. Por anos, meu amigo James tentou me convencer que eu deveria me mudar para os EUA. Eu sempre imaginei que não apenas eu não qualificaria para um visto de trabalho, pois nunca terminei uma faculdade, mas também eu achava que eu não era bom o suficiente para passar na seleção super estrita de uma grande empresa. Em 2011-2012 eu comecei a pensar nisso mais a sério, depois que eu fiquei sabendo que eu tinha experiência comprovada suficiente que seria equivalente a um bacharelado, assim me qualificando para um visto de trabalho de alta especialização. Nessa época, eu estava frequentemente recebendo e-mails de grandes empresas interessadas nas minhas qualificações. Eu sempre educadamente respondia dizendo que não era a hora ainda, e nunca fechando portas.
No início de 2012, eu estava num evento em São Paulo e essa ideia não saía da minha cabeça. Eu conversei com meus amigos Maddog, Felipe and Fernanda sobre isso e eles me encorajaram a tentar alguma coisa, pelo menos para ver como eu iria. No pior dos casos, nada mudaria. Eu não estaria pondo nada em risco. Eu sempre fui muito agressivo com meus desafios, então se eu iria tentar algo, por que não com as empresas mais top que existem? Eu decidi tentar Google, Facebook, Amazon and Twitter. O Google já vinha me contatando havia bastante tempo, então eu apenas respondi o último email dizendo que eu estava disponível para bater um papo pelo telefone. Enquanto isso, eu viajei para os EUA e estava visitando meu amigo James quando eles ligaram. Era a primeira vez na minha vida que eu estava sendo entrevistado. Toda a ideia de trabalhar para o Google, me mudar para outro país, reiniciar minha vida, etc, era algo tão grande na minha cabeça, que eu acabei congelando durante a entrevista. O recrutador me fez umas perguntas bem simples até, e eu simplesmente não consegui responder direito. Logo em seguida que desligamos, me caiu a ficha que eu tinha acabado de destruir a oportunidade, o que se materializou no dia seguinte, com eles dizendo que eu havia sido rejeitado. Isso foi triste e me fez acreditar que eu estava apenas sonhando muito alto.
Enquanto isso, a Fernanda estava entrevistando para o Facebook e me indicou para o recrutador dela. Eu já estava de volta no Brasil quando ele me ligou. Como agora eu tinha uma expectativa muito menor no resultado, o papo fluiu super bem. Ele me fez basicamente as mesmas perguntas que o Google fez e eu rapidamente respondi tudo. Nosso cérebro trabalha muito melhor quando estamos calmos, sem ansiedade. Eu provavelmente teria falhado no processo do Facebook se eu não tivesse falhado com o Google. Por isso, eu preciso agradecer o Google pelo meu trabalho hoje! 🙂 Eu fiz duas entrevistas por telefone e voei para Dublin, Irlanda, onde eu passei o dia inteiro na empresa fazendo mais seis entrevistas. Minha avaliação pessoal depois das entrevistas era bastante neutra. Eu sabia que não tinha sido excelente, mas eu estava confiante que não fui um imbecil também. Alguns dias depois, já em casa, eu recebi uma ligação dizendo que eu tinha sido aprovado. Foi difícil de acreditar que eu tinha sido aprovado para trabalhar num dos melhores times de engenharia neste planeta. Eu aceitei a oferta e minha esposa e eu começamos a planejar o próximo capítulo de nossas vidas. Um bebê chegaria em apenas alguns meses, então era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.
Foi bastante difícil contar para os meus colegas na Propus que eu deixaria a empresa que eu havia ajudado a fundar alguns anos antes. Eles ficaram felizes pelo meu próximo passo, mas ao mesmo tempo tristes de me verem partir. Nós viajamos para visitar os principais clientes para contar pessoalmente que eu estaria deixando a empresa. Eu era o principal ponto de contato com vários clientes e eu queria ter certeza que isso não causaria problemas para a empresa, então eles tinham que ouvir da minha boca. Toda a transição acabou sendo bem tranquila.
Ser aceito num trabalho dos sonhos e ser bem sucedido nele são coisas completamente diferentes. Ser aceito apenas significa que eu fui bem nas entrevistas. Eu estava muito ciente que os desafios que eu encontraria depois de começar seriam muito maiores que qualquer pergunta das entrevistas. De fato, minha vida foi bem miserável nos primeiros meses. Mesmo tendo trabalhado com isso por 17 anos, tudo era muito novo e muito maior do que eu jamais poderia imaginar. Nas primeiras reuniões, nós estávamos discutindo coisas em terabits por segundo e exabytes de dados. A síndrome do impostor bateu muito forte e por algumas vezes eu achei que não sobreviveria no trabalho. Pareceu que eu tinha dado o passo maior que a perna. Conforme os meses se passaram, eu fui ficando mais confortável e comecei a entregar valor também. Um ano depois, minhas avaliações estavam constantemente excedendo as expectativas da empresa, o que me ajudou muito a mitigar a síndrome. Eu estava recebendo um retorno muito positivo dos meus gerentes e colegas e tudo isso me fez acreditar que sim, eu estava de fato pronto para este desafio.
Uma coisa que eu li antes de começar aqui é que, você pode ser uma superestrela no seu trabalho atual. Quando você entra numa grande empresa de alta tecnologia, você vai ficar assustado com tanta gente mais inteligente que você. Isso foi muito verdade. Eu fiquei chocado quando me caiu a ficha que eu estava rodeado por tanta gente impressionante, com tantas experiências diferentes das minhas. Felizmente, isso nunca foi um problema pra mim. Tudo o que eu aprendi nestes últimos anos não seria possível sem esse time brilhante. Não ser o mais inteligente de todos é um bom atributo, não um defeito. 🙂
Nos meus primeiros dois anos no Facebook, eu trabalhei com tráfego e engenharia de rede. Isso foi uma escolha natural, dada à minha extensa experiência nessa área. Para o meu terceiro ano, eu decidi sair da minha zona de conforto e tentar algo novo. Eu entrei para o time de segurança, uma área completamente nova para mim. Numa empresa grande, mudar de time pode parecer como ir para outra empresa. Novos desafios, novos projetos, novas pessoas, expectativas bem maiores, etc. Foi meio conturbado nas primeiras semanas ou meses, mas logo eu acelerei. Hoje eu sou o líder técnico do meu time e nós estamos tocando alguns projetos insanos. É difícil de acreditar que o impacto do nosso trabalho imediatamente afeta a vida de mais de 1,5 bilhão de pessoas.
Foi uma jornada e tanto vir de uma família pobre, de uma cidade pobre, de um país de terceiro mundo, até chegar a se tornar um engenheiro sênior bem sucedido em uma das empresas mais prestigiadas do mundo. Eu acredito fortemente que sorte é a combinação de oportunidade e competência. Eu sou muito abençoado que eu estava pronto quando várias oportunidades apareceram.
Existe muito ainda para crescer. Eu estou ainda muito longe de onde eu quero chegar, e não vou mudar minha fórmula para chegar lá. Vou continuar construindo competência e aumentando meu conhecimento, de forma que quando as oportunidades chegarem, eu estarei pronto para agarrá-las.
Eu sou muito agradecido por todos meus amigos que tiveram alguma influência no meu progresso. Eu não teria chegado a lugar algum sem a ajuda de muitas pessoas ótimas. Eu sou ainda mais agradecido pela minha amada esposa Luana, que se juntou a mim nas minhas aventuras desde 2009. Minha missão máxima é me tornar um grande modelo para nossos filhos.
Muito obrigado por ter lido até aqui.
Feliz 2016!!