O Sonho Americano

Uma das coisas que mais me perguntam no Brasil é se a vida nos Estados Unidos é “tudo isso mesmo”. Ou se estamos de fato vivendo o tal The American Dream, o sonho americano. Primeiro, não existe uma definição universal sobre isso. Para imigrantes, o termo geralmente significa que a vida nos EUA vai ser melhor que a vida no país de origem da pessoa. Se você quer saber melhor a origem do termo, leia na Wikipedia.

É difícil eu responder essa pergunta, porque é um assunto muito subjetivo. Eu vou desmembrar minha resposta em áreas de interesse, falando sobre coisas que são importantes pra mim.

Uma coisa importante é que você vai ler o meu ponto de vista. Se você fizer a mesma pergunta para outra pessoa, provavelmente a resposta vai ser diferente. Qualidade de vida não é ditada puramente por onde você reside. Existem vários fatores que contribuem fortemente pra isso, como sua situação social e econômica no lugar, por exemplo.

É difícil fazer comparações entre países bem diferentes. O EUA é um país super desenvolvido, com um PIB 7x maior que o do Brasil, etc. Em alguns aspectos, seria como comparar o Brasil com a Colômbia ou o Chile.

Educação

O EUA é um país incrivelmente descentralizado, então a qualidade das coisas, incluindo educação, pode variar bruscamente de uma região pra outra.

Aqui na região da Baía de San Francisco (Bay Area), a maioria das cidades têm escolas públicas de ensino fundamental e médio bem boas. É bastante comum ver crianças de famílias de classes média e alta frequentando escola pública até terminar o ensino médico (high school). Nas cidades onde as escolas públicas são boas, as escolas privadas geralmente são usadas por famílias que buscam uma educação diferenciada, por religião ou idioma. Existem várias escolas judaicas e chinesas, por exemplo. As escolas privadas são bem caras, com mensalidades que podem cruzar a faixa dos US$ 1000.

Uma coisa que me chamou muito a atenção aqui é como o mercado imobiliário é atrelado com as escolas. O preço de um imóvel é diretamente relacionado à qualidade da escola do distrito escolar onde o imóvel está. As cidades são normalmente zoneadas em distritos escolares. Se você quer usar uma escola pública, você vai ter que usar a escola que pertence ao distrito onde você reside. Se a escola no distrito vizinho for muito melhor, as casas lá vão custar muito mais. Na minha opinião, isso é bom e ruim ao mesmo tempo. É bom porque mostra uma grande preocupação social com qualidade de educação. As famílias normalmente estão dispostas a pagar muito mais caro para morar num certo bairro e ter acesso a um bom distrito escolar. O lado ruim disso é que aumenta a desigualdade social. Só quem tem mais condições tem acesso às melhores escolas públicas.

Um exemplo gritante aqui é Palo Alto e East Palo Alto. Palo Alto tem uns dos melhores distritos escolares do país. O preço do metro quadrado lá é ridiculamente alto. Uma casa simples de um andar e três quartos pode custar alguns milhões de dólares. East Palo Alto é grudado em Palo Alto. Se você olhar o preço do metro quadrado numa rua que divide as duas cidades, o lado da rua virado pra Palo Alto vai custar o dobro (ou mais) do outro lado, mesmo se as casas do outro lado forem muito melhores. East Palo Alto é uma das cidades mais pobres da Bay Area. A qualidade das escolas é bem ruim, jogando o preço dos imóveis lá em baixo, porque ninguém quer morar lá. Talvez por isso é uma das cidades com os maiores índices de violência per capita do país.

Educação superior é um problema sério nos EUA, porque tudo foi construído para ser privado. Sem dúvida o país tem algumas das melhores universidades do mundo, mas infelizmente elas não são nada acessíveis. Não só o processo de seleção é muito difícil, mas o preço para se formar é inacreditável, chegando a algumas centenas de milhares de dólares, dependendo do curso.

Os processos de seleção normalmente são baseados na performance do aluno ao longo da vida, ao invés de um vestibular onde você faz um cursinho relâmpago e passa, mesmo que você tenha sido uma desgraça a vida inteira. Eu acho isso super justo, pois força as famílias a levar a edução dos filhos muito a sério desde o princípio, se elas almejam ver seus filhos nas grandes universidades.

A parte financeira geralmente é o maior problema. A resposta clássica no país é que isso se resolve com financiamento estudantil. Grande parte dos alunos em ensino superior se forma com dívidas enormes. O débito estudantil do país já passou de US$ 1 trilhão. Pelo menos tomar crédito aqui é infinitamente mais barato que no Brasil, onde os bancos são ridiculamente pornográficos e não ficam nem vermelhos. Aqui é bem comum você tomar um crédito estudantil pra pagar em 25 anos com taxas de menos de 5% ao ano. Considerando alguma inflação, é quase dinheiro de graça.

Bolsa escolar é algo bastante comum também. Se você teve um histórico escolar bom, é bastante provável que você consiga uma bolsa pra pagar um pedaço da porrada. É bastante raro alguém conseguir bolsa integral, por exemplo, mas acontece.

Outra coisa bem comum, e você já deve ter visto isso em filme, é a tradição de famílias de classe média criar poupança para os seus filhos quando eles nascem, especificamente para educação superior. Existem poupanças especiais para isso, que têm um tratamento tributário diferente, incentivando as pessoas a investir.

Uma opção mais em conta às grandes universidades são os community colleges, que são as faculdades menores, algo como os centros universitários no Brasil. Eles não têm um décimo do prestígio que uma grande universidade tem, mas é uma opção super válida para quem não qualifica e/ou não tem condições de arcar com o custo nas grandes.

Enfim, pra quem tem condições de levar seus filhos a ter uma educação usufruindo de tudo o que país pode oferecer, o EUA está a anos luz à frente do Brasil. No geral, a educação básica é melhor que no Brasil na maioria das regiões. A educação superior pode variar bastante, pelos fatores acima. O Brasil tem boas universidades, tanto públicas quanto privadas. Infelizmente as públicas sofrem cronicamente com problemas como greves, algo que você raramente vê por aqui.

Saúde

Saúde nos EUA é um negócio muito complicado. Vergonhosamente, o país nunca se preocupou em criar um sistema universal de saúde pública, como qualquer país desenvolvido tem.

Os serviços de saúde em geral são muito bons. A quantidade de hospitais e centros clínicos é bastante adequada pra população. A tecnologia normalmente está sempre na vanguarda. As universidades geralmente formam bons médicos. Raramente você vê filas intermináveis, gente padecendo pelos corredores, etc.

À primeira vista, tudo é muito bom mesmo. Só tem um problema, que acaba melando com toda a parte boa: TUDO É PRIVADO. Não só isso, tudo é ridiculamente caro. O EUA são duramente criticados pelo mundo inteiro pelo custo dos serviços de saúde. É disparado o país mais caro do mundo, e de longe, muito longe.

A resposta conservadora para o problema é uma só: seguro de saúde. E seguro de saúde aqui é máfia assustadora. São poucas empresas que controlam tudo e ditam o que bem entendem. Como o país é muito liberal, o governo se mete pouco. Isso tem mudado bastante ultimamente, porque a coisa chegou num nível inaceitável. O governo Obama comprou um pouco essa briga e peitou a máfia. Mesmo que a coisa continue melhorando pouco a pouco, ainda vai levar décadas para os EUA chegarem aos pés do Canadá, por exemplo, que tem um dos melhores sistemas de saúde do mundo.

O Brasil tem um problema bem diferente, que é falta de investimento. Como a saúde e deficitária, nenhum investidor privado em sã consciência vai colocar qualquer centavo em jogo para construir um hospital. Por isso que grande parte dos grandes hospitais brasileiros são de fundações e afins, boa parte delas quebradas e dependendo de dinheiro do governo pra fechar as contas no final do mês. Aqui a coisa é super lucrativa, então se investe horrores. O problema é que a coisa anda tão lucrativa que virou um excelente negócio. E quem paga conta é quem está doente. 🙁

Eu aqui, particularmente, não tenho muito o que reclamar. Tenho um seguro de saúde bem bom, boa parte pago pela empresa. Volta e meia eles inventam de não querer pagar alguma coisa, inventando qualquer razão pra tal. Depois de algumas brigas no telefone e algumas vezes envolvendo a empresa pra aumentar a pressão, a coisa se resolve. O outro lado disso é que o seguro custa em torno de 10x mais do que eu pagava pela Unimed no Brasil.

Porém, me perturba saber que grande parte das pessoas não tem esse privilégio. O mais comum é ter seguros que cobrem parte da conta, tipo 80%. Se você precisar de um procedimento complexo, como um transplante, os seus 20% podem ser suficientes para lhe levar à falência. Não é incomum ver estórias de famílias que declararam falência pessoal (isso existe aqui) por causa de uma conta de hospital.

Para você ter uma ideia de grandeza:

  • Visita a uma emergência 24×7: ~ US$ 1.500
  • Visita de rotina a um clínico geral: ~ US$ 300
  • Endoscopia: ~ US$ 6.000
  • Parto normal sem nenhuma complicação: ~ US$ 15.000
  • Parto cesariano sem complicação: ~ US$ 25.000
  • Diária em UTI pré-natal: ~ US$ 10.000 (sim, por dia!)
  • Cirurgia simples, tipo pedra no rim: ~ US$ 15.000

Este é o país mais rico do mundo. O país do sonho americano, onde quebrar uma perna ou ter um filho dignamente não é um direito universal.

Mesmo com todo esse capitalismo selvagem por trás de tudo, eu prefiro lidar com saúde aqui do que no Brasil. Antes de mudar pra cá, as últimas vezes que precisamos de um serviço de emergência foram experiências horríveis. Mesmo pagando privado, já fiquei mais de 6 horas mofando num hospital para ver um médico por 5 minutos. Conseguir uma consulta com especialista ultimamente é um caos. Os planos privados, que antigamente eram um grande diferencial, estão rapidamente caindo de qualidade. A razão é bem simples. Não interessa quem paga a conta e quanto é o valor, a demanda é absurdamente mais alta que a oferta disponível, então a coisa virou um caos.

Infraestrutura

Comparar os EUA com o Brasil em termos de infraestrutura é mais doloroso que os 7×1 que o Brasil tomou da Alemanha.

Infraestrutura no Brasil em geral é uma grande piada. O país parece ter esquecido de fazer investimentos. Enquanto o resto do mundo estava em franco desenvolvimento, investindo horrores depois da segunda guerra, o Brasil parece que estava brincando de carnaval, ditadura, reserva de mercado, etc.

Vindo do Brasil, a infraestrutura americana é impressionante. Pra quem vem da Europa, já não tanto, pois a Europa está bem a frente em certos aspectos, principalmente transporte de pessoas.

Rodovias

Um dos problemas mais crônicos do Brasil sem dúvida. Pra quem vive perto das grandes capitais e nunca viaja muito longe, pode até achar que o país tem estradas legais. E de fato tem. As estradas na região de São Paulo, por exemplo, são fantásticas. Mas se eu quiser sair de São Paulo e dirigir até o Mato Grosso, tudo o que país pode oferecer é um sinto muito e boa sorte.

Os EUA têm um sistema de freeways que chega a ser inacreditável, dada a extensão do país. Na década de 50, o país assumiu o compromisso de interligar todas as cidades com pelo menos 50.000 habitantes por uma malha de freeways. O compromisso foi cumprido na década de 90.

Uma freeway não é qualquer estradinha. Freeway, por definição, é uma estrada sem nenhum tipo de interrupção de tráfego. Ela tem que ser dividia e ter pelo menos duas pistas em cada sentido. Nada pode interromper o tráfego de uma freeway. Não pode haver cruzamentos, semáforos, nada na beira de estrada, etc. Todo o tráfego tem que entrar ou sair somente em lugares específicos pra isso, as rampas de acesso. O padrão de segurança é super estrito, com larguras definidas, inclinações em curvas, gradientes máximos em serra, etc.

O sistema de interstates começou a ser construído em 1956 e o traçado original foi entregue em 1991. Hoje, já bastante estendido, possui quase 77 mil quilômetros de extensão. Existem várias outras freeways que não fazem parte do sistema de interstates, então a extensão total de freeways é bem maior do que isso.

A maior interstate de todas é a I-90, que liga Seattle a Boston, com 4990 km de extensão, cruzando 13 estados. Desconsiderando tráfego, você sai de Seattle e dirige até Boston sem nenhum tipo de interrupção, numa estrada em toda a extensão no mesmo padrão de construção. Não tem esse negócio de ser bom perto das grandes cidades e o resto que se dane. Você dirige no meio de Montana ou Wyoming, onde não se vê civilização em longos trechos, e a estrada é a mesma.

Aqui onde eu moro, estamos muito bem servidos de freeways, mas o trânsito é meio caótico nos horários de pico, pois é uma região com 8 milhões de habitantes e o transporte público não é lá essas coisas. Se eu quiser sair de carro pra qualquer canto do país, eu dirijo uns 5 km dentro de cidade, até uma das freeways mais próximas (I-880 ou I-680). Só deixo o sistema quando eu chegar no meu destino, que pode estar a 5.000 km de distância.

Por exemplo, se eu quiser dirigir da minha casa até Nova York, 4.700 km daqui, eu dirijo uns 5 km até a I-680 norte, pego a I-80 leste e deu. Simples assim.

Eu já dirigi milhares de km por aqui, em vários estados diferentes. Tirando o tráfego perto de grandes cidades, é uma experiência muito boa. Seguramente não chega aos pés das Autobahns na Alemanha, mas ainda assim o sistema rodoviário merece elogios.

Aviação

Esse é outro ponto em que a diferença com o Brasil é muito, muito gritante. Os EUA não são muito diferentes de nenhum outro país desenvolvido em termos de aeroportos. O Brasil que está há muitas décadas atrás de todo mundo.

Todo grande centro aqui tem pelo menos um grande aeroporto. A maioria dos grandes centros têm na verdade mais de um aeroporto, com diferentes propósitos. Aqui na Bay Area, por exemplo, são três bem bons. O SFO (San Francisco International Airport) é o maior de todos, com 4 terminais e 4 ótimas pistas. É um aeroporto um pouco antigo e já está ficando saturado, mas tem uma oferta de voos muito boa. Você consegue voar a partir do SFO praticamente pra qualquer destino no mundo que seja alcançável. Infelizmente, o aeroporto não oferece nenhum voo pro Brasil. O SJC em San Jose é tipo um Congonhas em São Paulo. Tem voos para vários cantos do país e até alguns voos internacionais. É bastante conveniente, pois não é muito grande. O OAK em Oakland é parecido com o SJC em termos de serviço e tamanho. OAK e SFO possuem ILS Cat-III-B e operam praticamente com qualquer condição de visibilidade. SJC fecha se o teto baixar de 200 pés, pois tem apenas ILS cat-I.

Voar nos EUA é algo super comum. A principal a razão é o tamanho continental do país. Depois a falta de um transporte alternativo rápido por terra, como é comum na Europa e está se tornando comum na Ásia. A aviação é muito forte e tem uma capilaridade excelente. Até a aviação regional funciona muito bem. Dificilmente vai ter um destino onde você não consiga chegar de avião perto.

Viajar de ônibus é algo raro e bem ruim. Primeiro porque a aviação supre praticamente toda a necessidade de deslocamento. Para viagens mais curtas, é bastante comum ir de carro. Carro é algo bastante acessível e o sistema rodoviário é muito bom, então acaba sobrando muito pouca demanda pra ônibus.

A qualidade dos aeroportos é bem decente, mas a maioria deles foi construída há vários anos, então deixam a desejar se forem comparados com aeroportos modernos. Os terminais normalmente são grandes e é bem comum haver vários terminais em qualquer aeroporto. Não existe esse negócio de embarcar no meio do pátio com ônibus, coisa que virou moda (ou uma baita gambiarra) nos “aeroportos” brasileiros.

Do lado de operações, a coisa normalmente é muito boa. Aeroportos comerciais com uma pista só praticamente inexistem. Todo o aeroporto decente possui várias pistas, bem dimensionadas e bem construídas. Qualquer aeroporto com bom fluxo comercial possui pelo menos uma cabeceira com ILS Cat-III. Não se admite fechar um aeroporto e ferrar a vida de milhares de pessoas simplesmente porque os pilotos não conseguem enxergar a pista. Esse problema foi resolvido com tecnologia há muitas décadas. É deprimente ver vários aeroportos brasileiros fechando por horas e horas todos os dias durante o inverno, causando bilhões de prejuízo para a economia.

A aviação geral é muito forte também, com milhares de aeroportos espalhados por tudo que é canto. Aqui na Bay Area, além dos comerciais SFO, SJC e OAK, tem três aeroportos de aviação geral, Palo Alto (PAO), San Carlos (SQL) e Hayward (HWD). HWD é maiorzinho e recebe bastante aviação executiva. A pista maior, com 1700 metros, tem até ILS, algo que você jamais vai ver no Brasil em um aeroporto pequeno. Para você ter uma ideia do tamanho da aviação geral por aqui, o Brasil tem no total 14 mil pilotos licenciados. Os EUA têm 600 mil. Sim, 43x mais.

Eu pretendo revalidar minha licença de piloto privado em 2015. A princípio, meu aeroporto base vai ser o HWD, que fica a uns 15 km de casa. Alugar avião aqui é quase tão simples quanto alugar carro, se você for licenciado. Pretendo usufruir muito disso no futuro. Infelizmente, no Brasil, tive que deixar isso de lado, pois o custo é proibitivo, a infraestrutura é irritante e os aviões de aeroclube são bem velhos. Os próprios aeroclubes estão praticamente falindo, pois não conseguem demanda suficiente para fechar as contas.

Saneamento e urbanismo

Eu tenho um grande amigo meu, canadense, que comprou um sitiozinho e resolveu me contar como funcionava a coleta e tratamento de esgoto lá, numa área rural. Ele começou a descrever a teoria da coisa, e logo em seguida eu entendi que ele estava descrevendo uma fossa séptica. Não quis interrompê-lo e deixei ele contar tudo. Ele falou que eu provavelmente nunca veria algo do tipo a menos que eu tivesse um sítio numa região distante de alguma cidade. No final da estória, ele perguntou por que eu estava rindo. Na verdade, eu queria era estar chorando de depressão.

Quando eu contei pra ele que mais da metade das residências brasileiras não possui qualquer coleta de esgoto e uns 80% não possui tratamento, ele não acreditou.

Eu fui criado numa cidade média, de uns 200 mil habitantes. Até hoje, em 2014, a casa onde eu cresci não possui coleta de esgoto. Minha família, assim como todos os vizinhos, sofre constantemente com fossas entupidas, mal cheiro dentro de casa. As ruas não possuem drenagem. Cada vez que chove, as beiradas dos cordões ficam tudo cheias de água, até o solo absorver ou tudo evaporar. Essa não é a realidade da minha cidade natal apenas. É a realidade de mais da metade país.

Isso não é um problema de governos recentes. Isso é um problema crônico e histórico de falta de planejamento urbano. As cidades cresceram de forma desordenada e sem qualquer controle público.

Aqui a coisa é bem diferente. O país é muito grande e é difícil generalizar, mas eu conheço vários estados e tenho vários amigos que já conversei sobre isso, e a minha visão da coisa é bem similar. Resumindo, não se levanta uma parede em zonas que não foram loteadas e preparadas pra isso. Por preparação, eu quero dizer rede de água, rede de esgoto, rede de gás natural encanado, rede elétrica, telefônica, e ultimamente TV a cabo e Internet. Não interessa se o bairro é rico ou pobre, todas as casas vão ter acesso a essas coisas básicas. Não é, e não pode ser luxo de ninguém.

Botijão de gás de petróleo é algo que até existe aqui, mas jamais pra equipar uma cozinha ou aquecer água. Quem compra é geralmente porque tem uma churrasqueira a gás, como é o meu caso. Tem casas que têm saída de gás natural no pátio, que não é o meu caso aqui, então fui pro botijão.

Outra coisa extremamente comum aqui é que todas as casas têm rede de água quente. Felizmente, o Brasil está abrindo os olhos pra isso nos últimos anos, e percebendo que chuveiro elétrico é uma coisa extremamente absurda. Se você falar sobre um chuveiro elétrico aqui, ninguém vai acreditar que algo do gênero existe. Água quente não é luxo, é necessidade básica.

Nas regiões mais frias do país, ao norte, todas as casas têm calefação. É necessidade básica e não luxo. Aqui na California, com um clima mais ameno, não são todas as casas, mas ainda assim é bastante comum. Aqui em casa temos calefação a gás e ar condicionado central (elétrico). O A/C raramente é usado, porque não faz tanto calor, mas a calefação usamos bastante até. Como todas as casas são de madeira e todas as aberturas são perfeitamente isoladas, o consumo é muito baixo. Não interessa a temperatura que está na rua. Aqui dentro está sempre bom.

Isso é algo muito irritante no Brasil, mesmo em prédios chiques e novos. Passa-se frio dentro de casa, e se gasta uma quantidade implacável de energia elétrica para manter os ambientes numa temperatura tolerável. Eu morava num prédio bem novo em Porto Alegre, com apartamentos bem caros, e era um frio tremendo dentro de casa. As janelas tinham frestas e a teoria super simples de vidros duplos parece nunca ter chegado no Brasil. Não existe janela que não tenha vidro duplo ou borrachas de selamento aqui. É burrice demais qualquer coisa diferente.

Segurança pública

Este é um quesito bem delicado, porque pode variar bastante de região pra região. Eu diria que, no geral, a coisa aqui é muito melhor que no Brasil. Esse foi um dos principais pontos que me fizeram ir embora do Brasil. A escalada de violência urbana está muito fora de controle. Todos os tipos de crime estão constantemente aumentando. A sensação de insegurança é permanente e é extremamente comum qualquer pessoa ter sofrido algum tipo de violência. Outra coisa assustadora no Brasil é que a sociedade e o poder público já encaram essa barbaridade como algo comum. Ver nos jornais diariamente caixas eletrônicos explodidos, grande assaltos, sequestros relâmpago, centenas de roubos de carro, etc, é algo tão corriqueiro que ninguém mais fica surpreso.

Aqui a coisa é bem diferente. Não dá para dizer que não há violência, porque há sim, mas numa escala BEM inferior. É muito incomum ouvir de pessoas próximas sobre assaltos, por exemplo. O mais comum é ouvir sobre furtos (sem violência), arrombamentos, etc. Arrombamento de casa é um pouco comum até, porque a maioria das casas são muito fáceis de serem abertas. Ninguém tem grade aqui. As fechaduras são normalmente uma piada. A minha fechadura frontal é tão segura quanto a fechadura do banheiro, por exemplo. Uma vez nos trancamos fora de casa e tivemos que chamar um chaveiro. A facilidade com que o cara abriu a porta me deixou perplexo. Nós temos alarme monitorado na casa, o que é bem comum até e não é muito caro. Dificilmente casas com alarme são roubadas, porque a resposta policial normalmente é bem rápida e os ladrões não são idiotas, claro. É bem mais lógico seguir a lei do menor esforço e abrir a casa do vizinho que não tem alarme. 🙂

Deixar carro na rua é algo extremamente comum, por exemplo, mesmo as casas tendo garagem. Nunca ouvi falar de carro roubado por aqui. Em Porto Alegre, eu tinha pena dos meus vizinhos. Toda a semana alguém perdia um carro com uma arma da cabeça. Deprimente.

Aqui não existe esse negócio de furar o sinal vermelho de noite. Se você fizer isso na California, você provavelmente vai tomar uma infração gravíssima e uma conta de US$ 490 pra pagar. O valor do seu seguro vai aumentar pois você se tornou um motorista irresponsável. Eu nunca ouvi falar de ninguém que foi assaltado em semáforo e também nunca me senti ameaçado em um de noite.

Eu já me envolvi com polícia no Brasil e aqui também e as minhas experiências foram inacreditavelmente diferentes. No Brasil, eu fui sequestrado. Felizmente escapei ileso depois de algumas horas com uma arma apontada pra mim. A polícia me tratou com um descaso absurdo, me dizendo que eu tinha era que estar feliz por estar vivo, e não estar enchendo o saco deles. Na época, Porto Alegre tinha mais de 10 sequestros por dia e eles estavam pouco se lixando com isso. Aqui nos EUA, eu fui baleado, provavelmente por uma criança, com uma arma de brinquedo, uma BB gun a gás. Eu não vi da onde veio o disparo, e fiquei até com vergonha de ir na polícia. Na emergência do hospital, perguntei pro médico se eu deveria ir na polícia e quase fui xingado por estar perguntando isso. Era óbvio que sim. Fui na delegacia mais próxima para reportar a queixa e tal. Uma investigação foi aberta e a polícia veio aqui na vizinhança bater nas casas atrás de pistas. Mantive contato com eles por vários dias sobre o progresso da coisa. No fim, deu em nada, como eu esperava, porque ninguém seria idiota o suficiente de se entregar. Atirar de propósito com qualquer tipo de arma é um crime e a pessoa poderia se complicar seriamente por isso.

Quando eu conto aqui que fui sequestrado, as pessoas ficam perplexas e me pedem para contar a estória toda. Nunca ninguém ouviu algo do tipo aqui, fora da TV. Eu conheço uma quantidade bem razoável de pessoas que já passaram por isso no Brasil, e ninguém se espanta de saber que eu também fui vítima.

Geralmente quando se lê sobre violência armada aqui, é coisa entre gangues, principalmente por tráfico de drogas. Os índices de violência de algumas cidades aqui na Bay Area, como East Palo Alto, Oakland, Richmond, entre outras, são relativamente altos, mas grande parte dessa violência é acerto de contas. Em números, Oakland, por exemplo, que é considerada aqui uma cidade muito violenta, tem um índice de homicídios de 11 por 100.000 habitantes. Maceió e Fortaleza, por exemplo, possuem índices que superam 70 homicídios por 100.000 habitantes. Caracas, na Venezuela, tem um índice de 134.

Polícia aqui é geralmente da cidade ou do condado, se a cidade for muito pequena. Eu gosto muito disso, porque tudo o que é grande acaba nivelando por baixo. O resultado disso é uma variação grande na qualidade do serviço de cidade pra cidade. Desde que cheguei aqui, morei em Fremont e agora na vizinha Union City. No geral, as pessoas gostam bastante do serviço. Tenho amigos em outras cidades que reclamam, principalmente em Oakland.

Um tipo de violência bastante particular no país é jovens com acesso a armas de fogo. Comprar uma arma neste país é muito fácil e é um direito garantido pela constituição. Você pode ter e portar uma arma com 18 anos, mas você não pode tomar uma cervejinha até os 21. Ridículo! Você consegue comprar munição em super-mercados. O negócio é muito absurdo e o país é muito dividido por isso. Uma metade, onde eu me incluo, acha um absurdo sem fim a facilidade de acesso às armas. Outra metade, mais conservadora, não quer saber de abrir mão de nenhum direito em relação a isso. Por trás de tudo, existe um lobby furioso liderado pela NRA (National Rifle Association). Armas movimentam muito dinheiro e essa gente não quer ver isso diminuir, obviamente. Quase toda semana se ouve estórias de tiroteios iniciados por jovens, especialmente em escolas. Crianças e jovens com problema psicológicos existem em todo lugar no mundo. A diferença aqui é que muitas dessas crianças têm acesso fácil a armas em casa e acabam chutando o balde, matando um monte de gente e se matando em seguida. Estatisticamente, essas ocorrências são muito baixas. Como a imprensa dá uma atenção enorme a cada caso que acontece, parece que é um imenso problema.

Assuntos para um próximo post

Este post já está grande demais e eu ainda tenho muitas outras coisas para falar a respeito da vida aqui. No próximo post, quero cobrir os seguintes assuntos:

  • Cultura, amizades e tal
  • Diversidade, imigração, etc
  • Comida
  • Preço das coisas
  • Impostos
  • Coisas pra fazer, entretenimento, etc

Sugira algum assunto aí. Eu gosto de falar sobre qualquer coisa.

Leia também o próximo post da série.