A Mudança para os EUA

Faz quase dois anos que não posto nada aqui, embora tenha prometido. Enfim, vou escrever um pouco sobre como foi nossa mudança e o início da vida por aqui.

Mudança é sempre um negócio complicado. Quando a gente se muda que a gente percebe quanta tralha a gente junta na vida. Uma mudança é sempre uma boa oportunidade pra se livrar de muita coisa. Porém, quando estamos mudando pra muito longe, normalmente é mais negócio se livrar de tudo, o que é assustador. Quando eu fui contratado, a empresa me ofereceu um determinado orçamento para custear a nossa mudança. Nós tínhamos certa liberdade para decidir como o orçamento seria usado. A prioridade máxima nesse orçamento foram as passagens aéreas. O resto a gente podia usar para enviar carga, excesso de bagagem, até 30 dias de hospedagem nos EUA, aluguel de carro e algumas outras despesas. Fizemos listas de coisas que ia gente ia dar, tentar vender e tentar levar. Uma empresa de transporte internacional nos visitou para orçar o queríamos levar. O orçamento foi 3x mais caro que o valor das coisas, então decidimos não levar quase nada.

Criamos um site para vender todas as coisas da casa, condicionando os compradores a buscar apenas depois de termos viajado. Funcionou bastante bem. Acabamos vendendo quase tudo, inclusive os móveis. O que não foi vendido acabou sendo distribuído para a família e amigos.

Como a nossa lista de coisas que a gente realmente queria levar ainda era maior que a nossa capacidade de carregar na viagem, mandamos uma caixa grande via FedEx para o hotel que nos hospedamos. Não foi barato (mais de US$ 500, eu acho), mas chegou direitinho. O resto levamos com a gente em três malas grandes.

Enfrentamos bastante burocracia e um certo stress para trazer os cachorros. Cada país tem suas próprias regras, assim como cada companhia aérea. Não existe nenhuma companhia aérea que voe entre Porto Alegre e San Francisco, então não escapamos de ter que passar pela burocracia de duas delas. As regras variam absurdamente. Algumas só carregam carga viva no porão, outras só na cabine, outras têm restrições de temperatura em solo, há diferentes restrições para o tamanho das caixas, e assim vai. Depois de consultar vários sites e fazer várias longas ligações, decidimos por voar Tam e Lan, via São Paulo e Lima, no Peru. Compramos as passagens sem saber se os cachorros poderiam voar juntos, porque eles só queriam confirmar perto dos voos, o que foi um tremendo stress. Felizmente deu tudo certo, com um porém. Na época, Tam e Lan não tinham acordo de transferência de carga viva entre seus voos, então tivemos que retirar os cachorros em São Paulo e despachar eles de novo no check in da Lan. Isso foi chato, pois tínhamos algumas horas de conexão e ficamos passeando com os cachorros pelo saguão do aeroporto de Guarulhos, mais o Daniel, que tinha só 2 meses, e nossas bagagens de mão. Enfim, pelo menos não precisamos nos preocupar com eles em Lima.

Para levar animais de estimação a outro país, é necessário um atestado validado pelo Ministério da Agricultura, que deve ser emitido poucos dias antes de viagem. A nossa veterinária avaliou os cachorros uns 5 dias antes dos voos e nos emitiu um atestado no formato exigido pelo governo. Fui no aeroporto e eles emitiram uma versão oficial disso. Durante os voos, foi tudo bem tranquilo e rápido em relação à burocracia. Na entrada nos Estados Unidos, eles estavam mais preocupados com a comida dos cachorros do que com eles mesmo. Comida não pode entrar. Como já sabíamos disso, não levamos nada mesmo.

Estávamos apreensivos com a viagem por causa do Daniel. Ele já tinha andado de avião antes e o pediatra já tinha nos falado que com essa idade, o ouvido deles não acumula pressão, então eles não sofrem na descida. A experiência dele até então era em voos curtos, quando ele foi pro Rio de Janeiro com a gente pra emitir os vistos. Quando fizemos o check in na Lan, em São Paulo, demos sorte que os voos não estavam cheios. A configuração dos 767 da Lan é 2-3-2. Nos deram três assentos do meio nos dois voos, o que foi perfeito. Com dois meses, ele era pequeno o suficiente para caber deitado no assento. No trecho Porto Alegre – São Paulo ele foi no colo, mas foi só 1h30min. Os outros voos foram 5h e 9h. Correu tudo bem tranquilo.

O único susto foi na decolagem em Porto Alegre. Deixamos o portão no horário, mas na corrida pra decolagem, a tripulação abortou devido a pássaros na pista. Como os pilotos não tinham certeza que os motores não tinham ingerido nada, voltamos pra rampa. A manutenção abriu os dois motores e de fato estavam intactos. Decolamos de novo com 45 minutos de atraso. Embora inconveniente, decisão super certa dos pilotos. O pior momento pra perder um motor é quando você mais precisa deles. Eu tinha reservado os voos com mais 5 horas de conexão em São Paulo de propósito, por causa dos cachorros, então o impacto foi praticamente nulo.

Pousamos em San Francisco de manhã antes das 9h. Viajar com bebê é legal porque não existe fila. Isso fez uma diferença imensa na imigração. Passamos rápido, sem muitas perguntas e fomos bem-vindos ao país pelo simpático oficial que nos atendeu, o que é raro, pois normalmente são bem grossos. Fomos pra esteira retirar as bagagens e já escutamos os cachorros latindo num outro canto. Um funcionário do aeroporto nos entregou eles e tudo estava tranquilo. As caixas limpíssimas, o que nos surpreendeu. Forramos tudo com jornal em Porto Alegre e estava tudo bem seco.

No meio da confusão de pegar as bagagens, colocar num carrinho, cuidar do Daniel e dos cachorros, algo muito inesperado aconteceu. Nossos passaportes sumiram. Sim, dentro da área de segurança do aeroporto, antes de passar na alfândega. Procuramos por tudo e rapidamente chamamos um funcionário, que chamou a segurança do aeroporto. Estávamos presos no aeroporto, pois não poderíamos passar na alfândega sem documentos. Depois de muita correria entre os seguranças e várias ligações do oficial que nos atendia, outro oficial veio com os passaportes e os cartões de imigração, tudo intacto. Perguntamos o que aconteceu e nós disseram que alguém tinha roubado e pegaram pelas câmeras. Não quiseram dar detalhes. Roubar passaporte é um crime seríssimo. Espero que quem tenha feito isso tenha se incomodado à altura com a lei. Demos bastante sorte de a pessoa ainda não ter saído do aeroporto.

Alugamos uma mini-van e uma cadeirinha de bebê. Com os bancos baixados, acomodou até que bem toda nossa bagagem. Nos hospedamos num hotel em Newark, mais ou menos perto de onde iríamos procurar moradia definitiva. Não tínhamos ideia de quanto tempo ficaríamos no hotel, então reservamos por 30 dias com a opção de sairmos antes. Acabamos ficando menos de duas semanas.

Quando chegamos no hotel que caiu a ficha que não tínhamos NADA, além do que estava nas malas. É uma sensação muito estranha você não ter nada, nem o que comer. A primeira coisa que decidimos comprar foi um carrinho de bebê. Fomos num shopping center perto do hotel e compramos um desses carrinhos que vem com bebê conforto junto, que é muito prático. Com o Daniel bem acomodado, tivemos tranquilidade para fazer outras coisas, como ir no supermercado. É estranho você chegar num mercado e tudo é diferente. As marcas que você mais gosta não existem mais.

Eu acertei com a empresa de começar a trabalhar apenas dia 22 de outubro. Nós chegamos dia 11, então tivemos bastante tempo para comprar o que precisávamos e procurar moradia com mais calma.

Bem antes da mudança, eu já vinha pesquisando muito sobre a região e onde seria bacana a gente morar. A Bay Area tem quase 8 milhões de habitantes, é bastante densa em alguns pontos e tem um dos maiores custos de vida do mundo. É bem difícil escolher o lugar certo. Naturalmente, os melhores lugares são os mais caros, muitos até bem fora do nosso orçamento. Os mais baratos são até perigosos, com bastante problema de violência urbana. Enfim, depois de muita pesquisa decidimos por morar em Fremont, que é uma cidade bem bacana no lado leste da baía. Decidimos também inicialmente morar em apartamento até pegarmos alguma experiência de ter vivido na região.

Nos primeiros dias, começamos a visitar alguns complexos de apartamentos. Apartamento nos EUA é algo bem diferente do Brasil. Normalmente, o complexo inteiro é de propriedade de uma grande empresa, que só os aluga. Esse é o negócio deles, construir uma propriedade grande e alugar. Isso torna as coisas muito mais simples. Não existe imobiliária no meio do caminho. Todos os complexos têm um escritório no próprio local. Visitamos alguns, mas poucos tinham apartamentos de 3 quartos disponíveis. Acabamos decidindo por um complexo que fica a meia quadra do Fremont Central Park, que é um parque super bacana, no centro da cidade. Vivemos aí até o início de 2014, quando nos mudamos pra uma casa na cidade vizinha de Union City.

Poucas coisas são mais estressantes do que alugar moradia no Brasil. A burocracia é algo revoltante. Aqui é o extremo posto. A simplicidade foi que nos assustou. Quando decidimos por alugar, preenchemos um formulário e nos passaram todas as condições. Como eu estava recém chegando no país, eu não tinha histórico de crédito algum, então a empresa não tinha como saber se eu era ou não um bom pagador no país. Em função disso, me pediram um mês a mais de aluguel adiantado como depósito caução. O valor seria retornado no final do contrato. Justo. Só nos disseram que teria um problema, o que nos entristeceu, pois tudo estava muito fácil até então. Eles não poderiam nos entregar as chaves no mesmo dia, só no dia seguinte. 🙂 Enfim, dia 16, no meu aniversário, pegamos as chaves. Nos perguntaram quando vinha a mudança. Que mudança? 🙂

Tínhamos um apartamento, porém com nada dentro. Nada não, tinha cozinha completa pelo menos. E só. Fizemos uma lista de coisas essenciais para podermos mudar pra lá. A lista tinha que ser bem curta, pois eu tinha pouco dinheiro e nem tinha começado a trabalhar. Compramos uma cama, uma mesa pequena com 4 cadeiras e coisas pra cozinha, como louças, talheres, etc. Como o Daniel era bem pequeno ainda, decidimos por deixar o berço pra mais tarde. Ele dormiu no carrinho por um tempo. Pouco a pouco fomos comprando mais coisas, como o berço, sofá pra sala, um sofá-cama pra visitas, etc. Dia 19 a cama chegou e já dormimos no apartamento. Comecei a trabalhar dia 22 com um grande problema a menos.

Não vou falar sobre o trabalho agora, pois isso merece um post a parte.

Tínhamos carro alugado por 2 semanas apenas, então esse era o próximo problema a resolver. Alugar carro é caro e a empresa não iria cobrir além de 2 semanas. Nesse terreno existem várias opções, como um carro usado barato ou mais caro, carro novo, comprando ou leasing (arrendamento), etc. Eu já tive minha dose de stress com carro usado, então fui atrás de carro novo. Se não desse para comprar, tudo bem. O plano B era algo usado com poucos anos de uso. De novo, o problema da falta de histórico de crédito pegou. Os bancos aceitam financiar ou fazer leasing de carro pra você, porém com taxas mais altas pra compensar o risco maior. Acabei fazendo um leasing de um Ford Escape 2013 nova. Esse carro não existe no Brasil ainda. É um SUV pequeno feito sobre a mesma plataforma do Focus. O mais similar no Brasil seria a Honda CR-V ou Hyundai IX-35. Gostamos bastante do carro e mais tarde acabei exercendo a opção de compra do leasing, pra não precisar devolver.

Eu usava o carro pra ir pro trabalho todos os dias, pois não tinha outra opção viável na época em Fremont (hoje a empresa oferece ônibus privado). Logo em seguida percebemos que não daria para ter um carro apenas. Com exceção de poucas cidades grandes, tudo é muito espalhado nos EUA, o que por um lado é muito bom, mas torna você refém dos automóveis. Um mês depois de pegar a Escape, fizemos outro leasing pra pegar um Ford Fiesta, também novo. Carrinho bacana, mas super pequeno. Acabamos devolvendo ele menos de 2 anos depois pra pegar outra SUV. Com o Daniel crescendo e outro bebê a caminho, não teria condições manter um carro minúsculo.

Comprar carro nos EUA é uma experiência bem diferente do Brasil também. Aqui você pode comprar um carro e levar no mesmo dia, com uma licença temporária. As placas chegam pelo correio. Sendo assim, as concessionárias fazem o impossível para você decidir na hora e já sair com o carro. Uma maneira de evitar isso é fazer uma boa pesquisa antes e já ir meio que com a opinião formada. Normalmente as concessionárias têm um inventário bem grande a pronta entrega. A menos que você queira algo muito específico, não há a necessidade de encomendar pra fábrica.

Com o passar dos meses, fomos nos adaptando bem e fazendo alguns amigos na região, a maioria brasileiros que moram por aqui. Em nenhum momento nos arrependemos de ter feito esta mudança. O stress inicial foi mais logístico mesmo, de não ter nada, ter que resolver vários problemas ao mesmo tempo, coisa que normalmente você resolveria ao longo de um bom tempo.

Em outro um post mais adiante, vou falar um pouco sobre a vida nos EUA e também sobre o trabalho no Facebook.